A Relação Entre a Obesidade Materna e o Risco de Morte Súbita Inesperada em Lactentes (SUID): Um Estudo de Coorte nos Estados Unidos

Este estudo de coorte examina a associação entre a obesidade materna e o risco de morte súbita inesperada em lactentes (SUID) nos EUA, revelando uma correlação dose-dependente e significativa entre o índice de massa corporal (IMC) elevado das mães e o aumento do risco de SUID. O estudo, que analisou quase 19 milhões de nascimentos, destaca a necessidade de incluir a obesidade materna como um fator de risco para SUID.

Fábio H. M. Micheloto

9/25/20244 min read

Resumo

A morte súbita inesperada de lactentes (SUID) é uma das principais causas de mortalidade infantil nos Estados Unidos, afetando cerca de 3500 bebês por ano. Até recentemente, fatores de risco amplamente conhecidos para SUID incluíam principalmente aspectos como posição de sono e exposição ao tabagismo. No entanto, a crescente prevalência de obesidade materna na sociedade moderna motivou pesquisadores a investigar sua relação com SUID. Este estudo de coorte nacional, realizado entre 2015 e 2019, explora em detalhes essa associação.

Objetivo do Estudo

O principal objetivo do estudo foi determinar se a obesidade materna é um fator de risco para SUID, e quantificar a proporção de casos de SUID que podem ser atribuíveis a esse fator. Apesar de a obesidade ser um fator de risco bem documentado para uma variedade de complicações durante a gravidez, até o momento, ela não havia sido amplamente reconhecida como um risco para SUID.

Metodologia

A pesquisa foi realizada com base nos dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, que incluem registros de nascimentos e mortes de lactentes vinculados, ocorridos entre 2015 e 2019. Foram considerados elegíveis para análise os nascimentos que ocorreram a partir da 28ª semana de gestação. As mortes incluídas como SUID foram aquelas classificadas sob os códigos da Classificação Internacional de Doenças, Décima Revisão (CID-10): morte súbita inexplicada (R95), causas indefinidas (R99), e sufocamento acidental e estrangulamento na cama (W75).

Os pesquisadores analisaram 18.857.694 nascimentos, dos quais 16.545 resultaram em casos de SUID. O principal fator de exposição foi o índice de massa corporal (IMC) da mãe antes da gravidez, categorizado da seguinte maneira: abaixo do peso (<18,5), peso normal (18,5-24,9), sobrepeso (25-29,9), obesidade classe I (30-34,9), obesidade classe II (35-39,9), e obesidade classe III (≥40). Além disso, foram considerados outros fatores de confusão, como idade materna, estado civil, etnia, tabagismo e outras variáveis sociodemográficas.

Resultados

A análise dos dados revelou uma associação clara entre o aumento do IMC materno e o risco de SUID. Comparando com mães com IMC normal, os resultados mostraram que mães com obesidade tinham um risco significativamente maior de terem filhos que sofriam de SUID. O risco aumentou de forma dose-dependente à medida que o IMC da mãe se elevava:

  • Mães com obesidade classe I (IMC 30-34,9) tiveram um aumento de 10% no risco de SUID (odds ratio ajustado [aOR], 1,10).

  • Mães com obesidade classe II (IMC 35-39,9) apresentaram um risco 20% maior (aOR, 1,20).

  • Mães com obesidade classe III (IMC ≥40) tiveram um risco 39% maior (aOR, 1,39).

Esses resultados foram ajustados para fatores como idade gestacional, etnia, tabagismo e outros fatores de confusão. A análise mostrou que cerca de 5,4% de todos os casos de SUID poderiam ser atribuídos à obesidade materna, correspondendo a cerca de 179 mortes por ano nos Estados Unidos.

Um modelo aditivo generalizado (GAM) também foi utilizado para avaliar o risco ao longo de uma gama contínua de valores de IMC, demonstrando que o risco de SUID aumenta de forma gradual à medida que o IMC materno ultrapassa o limite de 25, com uma aceleração significativa a partir de 30.

Discussão

Os resultados deste estudo fornecem evidências robustas de que a obesidade materna é um fator de risco significativo para SUID. Embora já fosse reconhecido que a obesidade materna pode causar uma série de complicações na gravidez, como natimortos, partos prematuros e anomalias congênitas, o estudo acrescenta à literatura a conexão direta com a morte súbita inesperada em lactentes.

Uma das principais contribuições deste estudo foi a identificação de uma relação dose-dependente entre o IMC materno e o risco de SUID. Essa relação manteve-se significativa mesmo após ajustes para variáveis importantes, como idade gestacional e outros fatores demográficos e de saúde. O estudo também destaca que, embora o aumento do IMC esteja associado ao risco de SUID, ainda não se compreende plenamente os mecanismos causais que ligam esses dois fatores.

Algumas hipóteses sugerem que a obesidade materna pode aumentar o risco de SUID em situações específicas, como no compartilhamento de cama entre mãe e bebê. Mães obesas podem ser mais propensas a acidentalmente sufocar seus bebês enquanto dormem, por exemplo. No entanto, esta hipótese foi baseada em um número limitado de estudos de caso e não foi amplamente confirmada por estudos de coorte ou controle de casos com amostras maiores.

Outro possível mecanismo pode estar relacionado à apneia obstrutiva do sono (AOS), uma condição frequentemente associada à obesidade. A AOS pode causar hipóxia intermitente, o que poderia prejudicar o crescimento e desenvolvimento do feto, aumentando o risco de defeitos neurológicos e problemas metabólicos após o nascimento, fatores que podem contribuir para a morte súbita inesperada.

Implicações para a Saúde Pública

Os resultados deste estudo têm implicações significativas para a saúde pública. A prevalência crescente de obesidade em todo o mundo, especialmente entre mulheres em idade reprodutiva, sugere que o impacto da obesidade materna no risco de SUID pode se tornar uma preocupação ainda maior no futuro. Os autores recomendam que a obesidade materna seja incluída como um fator de risco nos programas de educação pública e prevenção de SUID, junto com outros fatores amplamente reconhecidos, como posição de sono e exposição ao tabagismo.

Além disso, intervenções voltadas para a redução da obesidade em mulheres em idade fértil podem ter um impacto significativo na redução das taxas de SUID. Programas que promovam hábitos saudáveis de alimentação e estilo de vida antes e durante a gravidez podem ser uma estratégia eficaz para mitigar esse risco adicional.

Conclusão

Este estudo robusto, com base em dados de quase 19 milhões de nascimentos nos Estados Unidos, demonstra uma clara e dose-dependente associação entre obesidade materna e o risco de morte súbita inesperada em lactentes. Com cerca de 5,4% dos casos de SUID atribuíveis à obesidade materna, é imperativo que este fator seja incluído nas diretrizes de prevenção de SUID. Mais pesquisas são necessárias para elucidar os mecanismos causais subjacentes e desenvolver intervenções eficazes para reduzir esse risco em populações vulneráveis.

Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2822938?guestAccessKey=9b2e6a5d-1fe6-45ce-a736-c4eb734099bd&utm_source=silverchair&utm_medium=email&utm_campaign=article_alert-jama&utm_content=etoc&utm_term=091724