Ataque Terrosista ao Festival de Música em Israel: Estudo Revela que Consumo de Álcool Antes de Evento Traumático Aumenta Riscos de Transtornos de Ansiedade, Depressão e Dissociação
Pesquisa investigou os efeitos do consumo de álcool e outras drogas recreativas em sobreviventes de ataque terrorista em Israel, destacando a relação entre o uso de álcool e o aumento de sintomas de dissociação, ansiedade e depressão.
PSIQUIATRIA
Fábio H. M. Micheloto
10/13/20243 min read


Em 7 de outubro de 2023, cerca de 4.000 civis que participavam do festival de música Nova, ao ar livre, no sul de Israel, foram vítimas de um ataque terrorista inesperado. Durante o ataque, que durou horas, os participantes precisaram fugir e se esconder para salvar suas vidas. Um aspecto notável desse evento foi o fato de que muitos dos presentes estavam sob o efeito de drogas recreativas, o que levantou a hipótese de que o uso pré-traumático de substâncias como psicoestimulantes e alucinógenos pudesse estar associado à gravidade dos sintomas de dissociação, ansiedade, depressão e transtorno de estresse agudo (TEA).
A pesquisa, conduzida com 232 sobreviventes que buscaram atendimento no Centro Médico Chaim Sheba, teve como foco avaliar os impactos dessas substâncias na saúde mental pós-trauma. Entre os critérios de inclusão, estavam a ausência de ferimentos físicos graves, a não perda de familiares próximos no ataque e a ausência de histórico de transtornos mentais, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Após uma triagem rigorosa, 123 indivíduos foram incluídos no estudo, com média de idade de 28,4 anos, sendo 60,9% homens.
Dos participantes, 57,7% relataram ter consumido drogas no festival. Entre essas substâncias, estavam álcool, LSD, MDMA, cannabis e combinações de drogas, com e sem álcool. Todos os participantes responderam a questionários que mediam dissociação peri-traumática, ansiedade, depressão e sintomas de TEA. As avaliações incluíram escalas reconhecidas como o Experiências Dissociativas Peri-Traumáticas, o Transtorno de Ansiedade Generalizada e o Depressão.
Os resultados indicaram que o consumo de álcool antes do evento estava significativamente associado à dissociação peri-traumática, ansiedade e sintomas de depressão. A análise de regressão múltipla mostrou que o álcool, em comparação com outras drogas, aumentou as chances de os sobreviventes apresentarem dissociação, ansiedade e sintomas depressivos. Outros efeitos notáveis incluíram o aumento de sintomas de hiperatividade e arousal (estado de alerta elevado) em indivíduos que consumiram álcool ou MMC (methylmethcathinone) antes do ataque.
Um dado intrigante foi que a dissociação peri-traumática, além de ser influenciada pelo álcool, contribuiu para a intensificação de sintomas de ansiedade e humor nos sobreviventes, sugerindo que essa condição pode comprometer o processamento das memórias traumáticas e dificultar a recuperação. Isso pode explicar, em parte, a fragmentação e o estado não processado das memórias relacionadas ao trauma, levando a uma maior predisposição a transtornos pós-traumáticos.
O que é a dissociação?
A dissociação é um fenômeno psicológico em que há uma desconexão ou ruptura entre a percepção consciente, a memória, a identidade ou a consciência de uma pessoa. Em situações de dissociação, a pessoa pode se sentir desconectada de seus pensamentos, sentimentos, corpo ou do ambiente ao seu redor. Esse mecanismo de defesa costuma ocorrer em resposta a experiências extremamente estressantes ou traumáticas, funcionando como uma forma de a mente se proteger de emoções ou lembranças que são muito dolorosas para lidar no momento.
A dissociação pode variar de leve a grave. Em sua forma mais leve, pode incluir experiências comuns, como a sensação de estar "no automático" ou de perder a noção do tempo. Em casos mais graves, pode levar a estados de amnésia, despersonalização (sentir-se desconectado do próprio corpo) ou desrealização (a percepção de que o mundo ao redor parece irreal). A dissociação peri-traumática, por exemplo, pode ocorrer durante eventos traumáticos, como acidentes graves ou ataques, e está associada a um maior risco de desenvolver transtornos de estresse pós-traumático e outros problemas de saúde mental.
Conclusão
Embora a pesquisa ofereça novas perspectivas sobre os efeitos do consumo de álcool antes de eventos traumáticos, ela não está isenta de limitações. A amostra limitada e a dependência exclusiva de relatos dos participantes sobre o consumo de drogas, sem medição de concentrações sanguíneas ou dados quantitativos, podem ter limitado a profundidade das conclusões.
Este estudo, no entanto, destaca a relevância de entender o impacto do consumo de álcool em contextos sociais e traumáticos, especialmente devido à alta prevalência de eventos traumáticos em grandes aglomerações, como agressões físicas e acidentes. Dada a conhecida farmacologia do álcool e seus efeitos no sistema nervoso central, essas descobertas também podem contribuir para o entendimento biológico da resposta ao trauma, sendo de interesse tanto para a sociedade quanto para o campo clínico.
A análise final sugere que o álcool, por interferir nas funções cognitivas e emocionais necessárias para lidar com o trauma, pode aumentar a vulnerabilidade a transtornos mentais após eventos traumáticos, um dado crucial para futuras intervenções de saúde pública.
Fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/wps.21254