Erenumabe mostra eficácia na remissão de cefaleia por uso excessivo de medicamentos não opioides em pacientes com enxaqueca crônica

Estudo clínico comprova que o erenumabe, administrado mensalmente, induz remissão da cefaleia por uso excessivo de medicamentos (MOH) em pacientes com enxaqueca crônica. Pesquisa revela resultados promissores após seis meses de tratamento com doses de 140 mg.

FARMACOLOGIA

Fábio H. M. Micheloto

10/16/20245 min read

Erenumabe demonstra eficácia na remissão da cefaleia por uso excessivo de medicamentos não opioides em pacientes com enxaqueca crônica

A enxaqueca crônica associada à cefaleia por uso excessivo de medicamentos (MOH, do inglês "Medication Overuse Headache") é uma condição debilitante que afeta milhares de pessoas ao redor do mundo. Pacientes que sofrem dessa forma específica de enxaqueca, frequentemente, encontram dificuldades no controle das crises devido à dependência de medicamentos analgésicos, o que pode levar à exacerbação das dores de cabeça. Um novo estudo clínico de fase 3 traz evidências sobre o uso do erenumabe, um medicamento preventivo, para a remissão da MOH em pacientes com enxaqueca crônica, mostrando resultados promissores após seis meses de tratamento.

Contexto do estudo

O erenumabe é um anticorpo monoclonal que age bloqueando o receptor do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), uma via essencial no processo de desencadeamento das crises de enxaqueca. Sua eficácia já foi demonstrada em diversos estudos para a prevenção de enxaquecas episódicas e crônicas. No entanto, até agora, poucas pesquisas haviam investigado seu impacto na cefaleia por uso excessivo de medicamentos, especialmente em pacientes que não utilizam opioides.

Este estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, teve como objetivo avaliar a eficácia e a segurança do erenumabe em doses de 70 mg e 140 mg em pacientes com enxaqueca crônica e MOH não relacionada ao uso de opioides. A pesquisa foi conduzida em 67 centros na América do Norte, Europa e Austrália, entre outubro de 2019 e novembro de 2022.

Metodologia

O estudo incluiu 620 participantes, dos quais 584 compunham a coorte principal de análise, que não utilizava opioides. Os critérios de inclusão foram adultos diagnosticados com enxaqueca crônica e MOH, que haviam falhado em pelo menos um tratamento preventivo anterior. Os participantes foram divididos aleatoriamente em três grupos: o primeiro recebeu injeções mensais de 70 mg de erenumabe, o segundo grupo recebeu 140 mg, e o terceiro grupo foi tratado com placebo. O período de tratamento foi de 24 semanas (seis meses), e a principal medida de eficácia foi a remissão da MOH ao final desse período.

Além disso, os pesquisadores também analisaram outros parâmetros, como a mudança no número de dias de uso de medicamentos agudos para dor de cabeça e a manutenção da remissão ao longo do estudo.

Resultados principais

Os resultados indicaram que o erenumabe em dose de 140 mg foi significativamente mais eficaz na indução da remissão da MOH em comparação com o placebo. Ao final dos seis meses de tratamento, 69,1% dos pacientes no grupo de 140 mg alcançaram a remissão da MOH, enquanto no grupo placebo, essa taxa foi de 52,6%. A dose de 70 mg também apresentou eficácia, com 60,3% dos pacientes alcançando a remissão, embora não tenha atingido o limiar de significância estatística em comparação com o placebo.

A média de dias de uso de medicamentos agudos para dor de cabeça também foi reduzida em ambos os grupos de erenumabe. No grupo de 140 mg, houve uma redução média de 9,4 dias por mês no uso de analgésicos em comparação ao início do estudo, enquanto no grupo de 70 mg a redução foi de 7,8 dias. O grupo placebo, por sua vez, apresentou uma diminuição média de 6,6 dias. A diferença entre o grupo de 140 mg e o placebo foi de 2,7 dias a menos (P < 0,001), enquanto no grupo de 70 mg essa diferença foi de 1,2 dias a menos (P = 0,03).

A remissão sustentada da MOH ao longo das 24 semanas de estudo foi observada em 61,3% dos pacientes tratados com 140 mg de erenumabe, em comparação com 49,5% no grupo de 70 mg e 37,6% no grupo placebo.

Perfil de segurança

Os eventos adversos observados durante o estudo foram consistentes com o perfil de segurança previamente estabelecido para o erenumabe. A incidência de eventos adversos emergentes do tratamento foi de 66,8% nos grupos combinados que receberam o medicamento. Os eventos mais comuns foram constipação (15,2%) e infecções por COVID-19 (13,9%), sendo que a maioria dos casos de COVID-19 foi assintomática ou de gravidade leve.

O estudo não relatou eventos adversos graves relacionados ao uso do erenumabe, reforçando sua segurança para uso a longo prazo em pacientes com enxaqueca crônica e MOH.

Discussão e implicações clínicas

A cefaleia por uso excessivo de medicamentos é uma condição frequentemente subdiagnosticada, mas com grande impacto na qualidade de vida dos pacientes com enxaqueca crônica. O tratamento desse distúrbio é desafiador, uma vez que requer tanto a suspensão ou redução do uso excessivo de medicamentos para dor de cabeça quanto a adoção de uma terapia preventiva eficaz.

O erenumabe, ao demonstrar eficácia na redução do uso de medicamentos agudos e na indução da remissão da MOH, oferece uma nova esperança para esses pacientes. A remissão sustentada em uma proporção significativa dos participantes do estudo sugere que o medicamento pode ser uma estratégia viável para o controle a longo prazo dessa condição.

É importante ressaltar que a dose de 140 mg apresentou melhores resultados em comparação à dose de 70 mg, o que pode sugerir que doses mais altas sejam preferíveis em pacientes com MOH não opioide. No entanto, a decisão sobre a dose ideal deve ser individualizada, levando em consideração a tolerabilidade do paciente e o risco de eventos adversos.

Conclusão

Este estudo fornece evidências de classe I, de acordo com a Academia Americana de Neurologia, sobre a eficácia do erenumabe no tratamento preventivo da cefaleia por uso excessivo de medicamentos não opioides em pacientes com enxaqueca crônica. Os resultados mostram que o tratamento mensal com 140 mg de erenumabe pode induzir a remissão da MOH e reduzir significativamente o uso de medicamentos agudos, oferecendo uma nova abordagem para o manejo dessa condição debilitante.

Com base nesses achados, o erenumabe surge como uma opção terapêutica promissora para pacientes que não obtiveram sucesso com outros tratamentos preventivos, trazendo a possibilidade de uma melhora significativa na qualidade de vida desses indivíduos. Mais estudos são necessários para explorar os efeitos a longo prazo e o potencial do erenumabe em outras populações de pacientes, mas os resultados até agora são encorajadores para o tratamento da enxaqueca crônica associada à MOH.

Fonte: https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/fullarticle/2823594?guestAccessKey=c6d041dd-8abf-45da-8b1c-cf7a2c507414&utm_source=silverchair&utm_medium=email&utm_campaign=content_max_network_hot&utm_content=olf&utm_term=091624&utm_adv=