Estimulação Cerebral em Casa: Nova Esperança no Tratamento da Depressão Resistente a Medicamentos

Estudo revela que um dispositivo de estimulação cerebral doméstico, semelhante a uma touca de natação, pode reduzir sintomas de depressão em pacientes que não respondem a tratamentos convencionais. Entenda como funciona essa terapia inovadora e acessível.

Fábio H. M. Micheloto

10/29/20245 min read

Depressão é um dos desafios mais complexos na saúde mental, com milhões de pessoas ao redor do mundo enfrentando dificuldades para controlar os sintomas, mesmo com o uso de medicamentos e terapias convencionais. Para cerca de um terço desses pacientes, o tratamento tradicional pode não surtir efeito, abrindo portas para novas abordagens terapêuticas. Um estudo recente, conduzido remotamente e publicado na renomada revista Nature Medicine, introduz uma alternativa promissora: um dispositivo de estimulação cerebral de uso doméstico que se mostrou eficaz na redução de sintomas de depressão.

A Tecnologia por Trás da Estimulação Cerebral Direta

A técnica utilizada, chamada de estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS, na sigla em inglês), visa estimular regiões cerebrais ligadas ao controle do humor, utilizando uma corrente elétrica de baixa intensidade aplicada diretamente no couro cabeludo. Diferentemente de outras terapias, a tDCS é indolor e minimamente invasiva, tornando-a uma alternativa segura e acessível para pacientes. A simplicidade do dispositivo – que lembra uma touca de natação equipada com eletrodos – permite que ele seja utilizado em casa, o que amplia as possibilidades de adesão ao tratamento.

O objetivo do dispositivo é agir sobre o córtex pré-frontal dorsolateral, uma área cerebral essencial para o processo de tomada de decisões e que frequentemente apresenta uma atividade reduzida em pessoas com depressão. Segundo Cynthia Fu, neurocientista clínica e coautora do estudo, a leve corrente elétrica fornecida pelo tDCS facilita a ativação das células cerebrais, permitindo que elas “disparem” com mais facilidade. “Essa estimulação oferece um suporte essencial ao funcionamento cerebral, ajudando a quebrar o ciclo de desativação neuronal que ocorre em pacientes depressivos”, afirma Fu.

Estudo Inovador com mais de 150 Voluntários

Para avaliar a eficácia da tDCS em um cenário doméstico, Fu e sua equipe treinaram 120 mulheres e 54 homens diagnosticados com depressão maior para usar o dispositivo. Os participantes foram divididos aleatoriamente entre dois grupos: o grupo de tratamento, que recebeu a corrente contínua de 2 miliamperes por 30 minutos, cinco vezes por semana nas primeiras três semanas e depois três vezes por semana pelas sete semanas seguintes, e o grupo de controle, que usou um dispositivo placebo que imitava a sensação da tDCS real, mas sem gerar a mesma estimulação elétrica.

O tratamento durou dez semanas, ao fim das quais os pesquisadores observaram uma redução significativa nos sintomas depressivos dos participantes do grupo ativo em comparação ao grupo controle. Em média, os escores de depressão do grupo de tratamento caíram 9,41 pontos, enquanto o grupo de controle experimentou uma redução de 7,14 pontos. Aproximadamente 45% dos pacientes que utilizaram o dispositivo ativo relataram uma melhora substancial ou até mesmo a remissão de sintomas, uma taxa consideravelmente maior em relação aos 22% de melhoria no grupo controle.

Acessibilidade e a Importância do Tratamento Doméstico

O modelo de tratamento doméstico apresenta um avanço importante no que diz respeito à acessibilidade das terapias de saúde mental. Como observa Shawn McClintock, neuropsicólogo clínico do UT Southwestern Medical Center, um dos maiores desafios no tratamento de transtornos mentais está na superação das barreiras de acesso aos serviços especializados. Para ele, o estudo “reforça a possibilidade de levar tratamentos de saúde mental diretamente ao ambiente doméstico”, o que pode representar um ganho imenso para pacientes que vivem em áreas remotas ou têm limitações para frequentar clínicas especializadas.

McClintock ressalta ainda que o estudo é inovador não apenas por seu modelo remoto, mas também pelo extenso período de análise, algo raro em pesquisas de tDCS. Estudos anteriores já haviam explorado os benefícios da estimulação transcraniana para a depressão, porém, poucos conseguiram manter um monitoramento prolongado dos pacientes e em um ambiente tão acessível quanto a própria casa do participante.

Dúvidas e Desafios: Para Quem a tDCS Funciona?

Embora o estudo traga resultados promissores, a eficácia da tDCS ainda gera debates entre especialistas. Em uma pesquisa realizada no ano passado, também com 150 participantes, não foram observados os mesmos efeitos antidepressivos. Isso sugere que a resposta à tDCS pode variar de pessoa para pessoa, e há uma necessidade urgente de entender o motivo dessa variabilidade. O psiquiatra Frank Padberg, da Universidade Ludwig Maximilian, na Alemanha, argumenta que “é importante investigar por que alguns respondem ao tratamento enquanto outros não, e buscar formas de personalizar a terapia conforme o perfil de cada paciente”.

Um dos próximos passos sugeridos por Padberg e McClintock envolve a utilização de técnicas de imagem cerebral e gravação elétrica para observar as mudanças que ocorrem nos circuitos neurais durante a tDCS. Isso permitiria que os pesquisadores compreendessem, em tempo real, como o cérebro responde ao tratamento, possibilitando ajustes mais precisos na intensidade e frequência da estimulação elétrica.

Um Futuro Promissor para a tDCS na Prática Clínica?

A busca por terapias mais eficazes para a depressão é constante e reflete a complexidade desse transtorno, que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo. Até alguns anos atrás, a ideia de que uma leve corrente elétrica pudesse modificar a atividade cerebral parecia improvável. No entanto, com o avanço das pesquisas, a eficácia da tDCS está se tornando uma realidade clínica cada vez mais palpável. Padberg se mostra confiante de que, com aperfeiçoamentos na técnica, a estimulação transcraniana “eventualmente fará parte do tratamento clínico de forma otimizada”.

Apesar dos resultados positivos, é essencial que futuros estudos continuem a explorar o uso de tDCS como uma terapia complementar. A maioria dos participantes no estudo utilizava antidepressivos e frequentava sessões de psicoterapia antes de aderirem ao uso do dispositivo, o que reforça o papel da tDCS como parte de um tratamento multifacetado, e não necessariamente como um substituto. Como observa McClintock, a técnica “pode representar uma ferramenta poderosa quando integrada aos tratamentos já existentes”.

Para pacientes com depressão resistente a medicamentos e que enfrentam barreiras para acessar tratamentos presenciais, o avanço da tDCS como terapia de uso doméstico traz um novo alento e uma possibilidade concreta de melhoria. A facilidade de uso, a segurança e os resultados animadores oferecem uma perspectiva esperançosa e sugerem que o futuro da saúde mental pode estar, literalmente, ao alcance de um botão.

Considerações Finais

À medida que a tecnologia avança e a compreensão sobre o funcionamento do cérebro se aprofunda, novas terapias surgem com o potencial de transformar o tratamento de condições mentais complexas, como a depressão. Embora a estimulação transcraniana direta ainda precise de estudos adicionais e aperfeiçoamentos, sua aplicabilidade em ambiente doméstico pode revolucionar o campo da saúde mental, ampliando o acesso a um cuidado que, até então, era restrito a clínicas especializadas.

Com o suporte de pesquisas rigorosas e o avanço na compreensão dos mecanismos cerebrais, a tDCS pode, em um futuro próximo, tornar-se uma alternativa amplamente disponível para aqueles que mais precisam. Em última análise, a acessibilidade, segurança e eficácia dessa técnica representam um passo importante em direção a um futuro onde o tratamento da depressão seja mais inclusivo e eficaz.

Fonte: https://www.nature.com/articles/d41586-024-03446-7