Estudo Revela Potencial do CBD no Tratamento de Indivíduos com Alto Risco de Psicose

Pesquisadores investigam o efeito do canabidiol (CBD) em pessoas com alto risco de desenvolver psicose. O estudo, conduzido no Reino Unido, aponta que o CBD pode aliviar sintomas psicóticos e é bem tolerado pelos pacientes. Leia mais sobre os resultados e implicações para o tratamento da psicose.

PSIQUIATRIA

Fábio H. M. heloto

10/16/20244 min read

Estudo Revela Potencial do CBD no Tratamento de Indivíduos com Alto Risco de Psicose

O tratamento de indivíduos em alto risco clínico (ARC) de desenvolver psicose continua sendo um grande desafio na medicina, principalmente pela necessidade de intervenções seguras e bem toleradas. A psicose, caracterizada por alucinações e delírios, afeta milhares de pessoas ao redor do mundo, mas apenas uma minoria dos indivíduos com risco elevado realmente progride para um transtorno psicótico estabelecido. Nesse contexto, o canabidiol (CBD), um dos componentes não intoxicantes da cannabis, tem ganhado destaque devido às suas propriedades ansiolíticas e antipsicóticas, além de seu perfil de segurança promissor.

No entanto, até o momento, faltam estudos que avaliem o efeito do CBD em pessoas que estão na fase de alto risco para psicose. Um recente ensaio clínico duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, realizado no Reino Unido, buscou preencher essa lacuna, explorando os efeitos do tratamento com CBD em indivíduos que apresentam risco clínico elevado. A pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Londres, é o primeiro estudo desse tipo focado em indivíduos sem exposição anterior a medicamentos antipsicóticos.

O Estudo: Protocolo e Metodologia

O ensaio foi realizado em pacientes que atendiam aos critérios de risco elevado para psicose e que buscavam serviços de detecção precoce no Reino Unido. Esses indivíduos apresentavam pelo menos um dos seguintes sintomas: a) sintomas psicóticos atenuados, b) episódios breves de psicose intermitente (com duração inferior a uma semana e remissão sem tratamento), ou c) declínio funcional recente associado ao transtorno de personalidade esquizotípica ou a parentes de primeiro grau com psicose. Os participantes não podiam ter histórico de transtorno psicótico, episódio maníaco ou transtorno neurológico, nem um diagnóstico de dependência de substâncias.

Trinta e três indivíduos foram recrutados após fornecerem consentimento informado, com orientação para evitar o uso de cannabis, álcool, nicotina e outras drogas recreativas antes e durante o estudo. A dose de CBD utilizada foi de 600 mg diários, administrados por via oral por 21 dias. Avaliações clínicas, como o Comprehensive Assessment of At-Risk Mental States (CAARMS), o Spielberger State-Trait Anxiety Inventory (STAI-S) e a Positive and Negative Syndrome Scale (PANSS), foram realizadas no início do estudo, aos sete dias e no final do tratamento.

Os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 16 receberam CBD e 17 receberam placebo. A eficácia do tratamento foi analisada por meio de variâncias, considerando a pontuação inicial dos pacientes. O estudo seguiu um desenho duplo-cego, onde nem os participantes nem os pesquisadores sabiam quem estava recebendo CBD ou placebo.

Resultados Promissores: Alívio dos Sintomas Psicóticos

Após 21 dias de tratamento, os participantes que receberam CBD apresentaram uma redução significativa nos sintomas psicóticos em comparação com o grupo placebo. O grupo tratado com CBD teve uma pontuação total menor no CAARMS (F1,30=7.168, p=0.012), sugerindo uma redução na gravidade dos sintomas associados ao risco clínico de psicose. Esses participantes também relataram menos angústia relacionada aos sintomas psicóticos (F1,30=4.66, p=0.039) e uma pontuação total mais baixa na escala PANSS (p=0.042), que avalia a presença de sintomas positivos e negativos da psicose.

Outro dado importante é que, apesar da melhora nos sintomas negativos (como falta de motivação e retraimento social), o estudo não encontrou uma redução significativa nos sintomas positivos (como alucinações e delírios) no grupo tratado com CBD (p=0.144). Além disso, os níveis de ansiedade medidos pela STAI-S não diferiram significativamente entre os grupos tratados com CBD e placebo, sugerindo que a redução dos sintomas psicóticos não estava diretamente relacionada a uma diminuição da ansiedade.

Segurança do CBD: Perfil de Tolerabilidade

O CBD demonstrou ser bem tolerado pelos participantes, sem diferenças significativas na incidência de efeitos colaterais em comparação com o placebo. Os efeitos adversos emergentes do tratamento, como constipação ou infecções respiratórias, foram consistentes com dados de estudos anteriores sobre o uso do CBD. No grupo tratado com CBD, nenhum participante desistiu do tratamento, reforçando o perfil de segurança e tolerabilidade da substância em curto prazo.

Um dos principais destaques do estudo foi a ausência de desistências no grupo que recebeu CBD, em contraste com o grupo placebo, que teve dois participantes que abandonaram o tratamento. Além disso, a maioria dos pacientes do grupo CBD teve níveis detectáveis da substância no plasma, confirmando a adesão ao tratamento.

Limitações e Próximos Passos

Embora os resultados do estudo sejam promissores, os autores reconhecem algumas limitações. O tamanho amostral relativamente pequeno, com apenas 33 participantes, restringe a generalização dos achados. Além disso, o período de tratamento foi limitado a três semanas, o que impossibilitou a análise dos efeitos do CBD a longo prazo ou de sua capacidade de prevenir a transição para um transtorno psicótico completo.

Os pesquisadores também utilizaram o método de imputação de "última observação carregada para frente" (last observation carried forward) para lidar com dados clínicos ausentes, o que pode ter introduzido vieses nas análises. No entanto, ao restringir a análise aos participantes com dados completos, os principais resultados permaneceram inalterados.

Conclusão: O Potencial do CBD no Tratamento do Risco Clínico de Psicose

Este estudo fornece a primeira evidência de que o CBD pode ser uma opção terapêutica eficaz para reduzir a gravidade dos sintomas em indivíduos com risco elevado de psicose. O tratamento de três semanas com CBD foi associado a uma redução significativa nos sintomas psicóticos e no sofrimento relacionado, com um perfil de segurança comparável ao placebo.

Os achados destacam o potencial do CBD como uma nova abordagem para o tratamento de pessoas em alto risco de desenvolver psicose, embora mais pesquisas sejam necessárias para confirmar esses resultados em estudos maiores e de longa duração. O próximo passo é realizar ensaios clínicos em larga escala para avaliar a eficácia do CBD em prevenir a progressão para psicose e determinar seu papel como tratamento padrão para essa população vulnerável.

Fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/wps.21253