Mudanças Proteômicas na Doença de Alzheimer: Novas Descobertas sobre Placas de Aβ e Emaranhados de Tau

O estudo revela como a análise proteômica pode oferecer insights significativos sobre as mudanças moleculares na Doença de Alzheimer. Com a identificação de proteínas diferencialmente abundantes, a pesquisa traz à luz potenciais biomarcadores e alvos terapêuticos para o tratamento da doença, explorando as complexidades da patologia em diferentes estágios.

Fábio H. M. Micheloto

10/30/20244 min read

Introdução

A Doença de Alzheimer (DA) é uma das condições neurodegenerativas mais desafiadoras da atualidade, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Caracterizada pela formação de placas de β-amiloide (Aβ) e emaranhados de proteína tau, essa doença provoca um declínio cognitivo progressivo e perda de memória. Recentemente, a pesquisa proteômica tem emergido como uma ferramenta poderosa para compreender as complexas alterações moleculares associadas à Doença de Alzheimer. Um estudo recente combina a análise de proteomas do líquido cefalorraquidiano (LCR) com técnicas de imagem para medir a patologia das placas de Aβ e dos emaranhados de tau, revelando novas informações sobre como essas alterações ocorrem em humanos ao longo do tempo.

Avanços nas Análises Proteômicas

No contexto do estudo, foram identificadas 127 proteínas diferencialmente abundantes (DAPs) ao longo do espectro da Doença de Alzheimer. As proteínas mais fortemente associadas às placas de Aβ estavam principalmente expressas em células gliais e incluíam SMOC1 e ITGAM. Curiosamente, um conjunto de proteínas relacionadas ao metabolismo de ATP, predominantemente expressas em neurônios, estava independente e correlacionado com a carga de emaranhados de tau. Apenas 20% das DAPs foram alteradas em outras doenças neurodegenerativas, evidenciando a singularidade do proteoma da Doença de Alzheimer.

O estudo também identificou dois módulos de co-expressão que estavam relacionados ao metabolismo proteico e à resposta imunológica microglial, abrangendo a maioria das DAPs e mostrando trajetórias opostas ao longo do continuum da Doença de Alzheimer. Essas descobertas oferecem uma visão detalhada das respostas neuronais complexas e revelam potenciais biomarcadores e alvos terapêuticos para intervenções em diferentes estágios da doença.

Metodologia e Resultados

Os pesquisadores validaram e caracterizaram várias proteínas com abundância diferencial no LCR de indivíduos que abrangem todo o espectro da Doença de Alzheimer. Para medir a presença e a magnitude da patologia, foram utilizados biomarcadores de Aβ e tau por meio de tomografia por emissão de positrões (PET), tanto em momentos iniciais quanto ao longo do tempo. Anteriormente, estudos proteômicos haviam usado p-tau solúvel como medida da patologia tau, mas as evidências mostraram que a patologia de agregados de tau está mais intimamente relacionada à neurodegeneração e ao declínio cognitivo.

Os pesquisadores identificaram conjuntos distintos de proteínas que eram alterados em diferentes estágios da Doença de Alzheimer, com proteínas sendo desreguladas precocemente em participantes com patologia isolada de placas de Aβ e mais alteradas com o desenvolvimento da patologia fibrilar de tau. Esses resultados sugerem que a agregação sequencial das patologias de Aβ e tau é refletida em fases específicas de mudanças moleculares, muitas das quais são altamente específicas para a cascata patofisiológica da Doença de Alzheimer.

Estágios Iniciais da Doença

O estágio mais inicial da Doença de Alzheimer envolve uma acumulação contínua de carga de placas de Aβ no córtex cerebral, sem agregação cortical de emaranhados de tau. Essa fase é crucial para estudos de intervenção, pois a cognição e a integridade cerebral permanecem relativamente intactas. Uma subclasse específica de proteínas já estava alterada no LCR de indivíduos nesse estágio inicial da Doença de Alzheimer. Um achado notável foi o aumento dos níveis de SMOC1, que acompanhou a carga de placas de Aβ no cérebro, mesmo entre os participantes que ultrapassaram o limiar de positividade de Aβ.

SMOC1, uma proteína expressa em células precursoras oligodendrogliais (OPCs), é um componente central de um módulo biológico relacionado à matriz extracelular, conhecido como “matrisoma”. Estudos recentes demonstraram a senescência celular das OPCs no ambiente de placas de Aβ, onde as OPCs adotam um fenótipo inflamatório e não conseguem se diferenciar em oligodendrócitos. Isso pode oferecer insights sobre o papel de SMOC1 na DA.

Proteínas Centrais ao Longo do Continuum da Doença

Um conjunto de 15 proteínas centrais emergiu, com sua abundância no LCR aumentando ao longo do continuum da Doença de Alzheimer, elevando-se em pessoas com patologia isolada de Aβ e ainda mais na presença de patologia fibrilar cortical de tau. Estas proteínas incluíam marcadores estabelecidos da Doença de Alzheimer, como MAPT (que codifica a proteína tau) e neurogranin, além de proteínas relacionadas à resposta imunológica e à sinalização dependente de cálcio.

Esses achados sugerem uma grande semelhança entre a DA esporádica e a autosômica dominante, destacando a importância dessas proteínas para um estadiamento molecular mais preciso da DA e para a identificação de novos alvos terapêuticos.

Alterações na Metabolismo e Sinalização Celular

As proteínas alteradas nas fases iniciais da Doença de Alzheimer mostraram enriquecimento em diversos processos biológicos, como ubiquitinação de proteínas, desintoxicação celular, transmissão sináptica e resposta a espécies superóxidas. O estresse oxidativo foi uma característica evidente entre muitas dessas proteínas, indicando respostas neuronais precoces à acumulação da patologia de Aβ.

Quando os participantes com patologia isolada de placas de Aβ foram comparados com aqueles que apresentavam ambas as patologias (A+T+), observou-se que este último grupo apresentava tanto aumentos quanto diminuições na abundância de várias proteínas no LCR. Várias proteínas reguladas para cima relacionadas ao metabolismo de ATP foram independentemente associadas à carga de tau fibrilar.

Conclusões e Implicações Futuras

O estudo enfatiza a importância de entender as alterações proteômicas ao longo do continuum da Doença de Alzheimer. Embora os resultados sejam promissores, ainda há um longo caminho a percorrer. A compreensão das alterações moleculares subjacentes às diferentes patologias neurodegenerativas será crucial para desenvolver novas estratégias de intervenção.

Além disso, a pesquisa destaca a necessidade de estudos futuros que integrem proteômica do LCR e do plasma para identificar marcadores acessíveis que possam refinar ainda mais o estadiamento da doença. A diversidade étnica e racial dos participantes também é uma consideração importante, pois as variações nas mudanças proteômicas com a raça podem influenciar os resultados.

Em última análise, a pesquisa contínua na interseção entre proteômica, patologia e neurodegeneração pode abrir novas portas para diagnósticos precoces e tratamentos eficazes para a Doença de Alzheimer e outras condições neurodegenerativas, proporcionando esperança a milhões de pacientes e suas famílias.

Fonte: https://www.nature.com/articles/s41593-024-01737-w#Sec9