Novas Medicações para Controle do Diabetes Tipo 1: Quais os Benefícios e Riscos de Prescrever Análogos GLP-1 e Inibidores de SGLT2?

Um estudo recente revela o crescimento da prescrição de Análogos GLP-1 e inibidores de SGLT2 para pacientes com diabetes tipo 1, destacando os benefícios cardiorrenais e de gerenciamento de peso, mas também os riscos potenciais.

ENDOCRINOLOGIAFARMACOLOGIA

Fábio H. M. Micheloto

10/28/20244 min read

Nos últimos anos, a evolução do tratamento para o diabetes tipo 2 ganhou grande visibilidade com o desenvolvimento de novos medicamentos, como os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1RAs) e os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (SGLT2). Essas medicações não apenas têm demonstrado grande eficácia no controle glicêmico, mas também oferecem benefícios significativos na saúde cardíaca e renal, além de ajudar no controle de peso. Embora essas substâncias não sejam aprovadas para uso no diabetes tipo 1 (T1D), há indícios de que possam trazer vantagens também para essa população. Um novo estudo busca entender melhor as tendências de prescrição dessas medicações para pessoas com T1D, levantando questões sobre seus benefícios e riscos.

O Estudo e a Metodologia

A pesquisa foi conduzida com base em registros eletrônicos de saúde (EHRs) do banco de dados Epic Cosmos, que abrange mais de 257 milhões de pessoas nos Estados Unidos. O foco era analisar como as prescrições de GLP-1RAs e inibidores de SGLT2 evoluíram entre 2010 e 2023 para pacientes com diabetes tipo 1. O estudo utilizou um algoritmo validado para identificar esses indivíduos, garantindo a eliminação de duplicatas e a precisão na análise dos dados.

Entre as medicações investigadas estavam sete tipos de GLP-1RAs (albiglutida, dulaglutida, exenatida, liraglutida, lixisenatida, semaglutida e tirzepatida) e quatro inibidores de SGLT2 (canagliflozina, dapagliflozina, empagliflozina e ertugliflozina). Além disso, os pesquisadores avaliaram a relação dessas prescrições com condições associadas, como obesidade, doenças cardiovasculares (como infarto e insuficiência cardíaca) e doença renal crônica. As tendências de prescrição foram analisadas por meio de modelos de regressão linear.

Resultados da Pesquisa

Entre 2010 e 2023, o estudo identificou mais de 943 mil indivíduos com diabetes tipo 1. Ao longo desse período, observou-se um crescimento significativo na prescrição de GLP-1RAs e inibidores de SGLT2 para esses pacientes. Em 2010, apenas 0,3% dos pacientes com T1D recebiam GLP-1RAs, mas esse número saltou para 6,6% em 2023. Da mesma forma, a prescrição de inibidores de SGLT2 subiu de 0,1% para 2,4% no mesmo período. No geral, a porcentagem de pacientes com T1D que receberam uma dessas duas classes de medicações aumentou de 0,7% para 8,3%.

Ao se observar os diferentes medicamentos dentro dessas classes, a semaglutida foi a que apresentou o maior crescimento entre os GLP-1RAs, passando de 0,2% em 2018 para 4,4% em 2023. Já a tirzepatida, aprovada em 2022, atingiu 1,3% de prescrição em apenas um ano. Entre os inibidores de SGLT2, o maior crescimento foi observado em pacientes com doenças cardiovasculares, enquanto a prescrição de GLP-1RAs teve maior aumento entre pacientes com obesidade.

Perfil dos Pacientes

A pesquisa também identificou diferenças significativas entre os pacientes com T1D que foram recentemente prescritos com GLP-1RAs ou inibidores de SGLT2 em comparação com a população geral de diabetes tipo 1. Aqueles que receberam inibidores de SGLT2 apresentavam taxas mais altas de doenças cardíacas preexistentes, como insuficiência cardíaca (16,6% em comparação com 2,8% da população geral), e condições renais, como doença renal crônica (26,9% contra 15,9%). Já os pacientes que foram prescritos com GLP-1RAs apresentaram uma maior incidência de obesidade (69,4% em comparação com 45,7%).

Essas descobertas sugerem que os médicos podem estar prescrevendo essas medicações em pacientes com T1D que possuem perfis de risco mais elevados para doenças cardíacas e renais ou que lutam com problemas de controle de peso.

Discussão e Implicações Clínicas

O aumento na prescrição de GLP-1RAs e inibidores de SGLT2 em pessoas com diabetes tipo 1 levanta importantes discussões sobre os benefícios e os riscos potenciais desses tratamentos. Estudos anteriores demonstraram que essas medicações podem oferecer vantagens significativas em termos de controle cardiorrenal e gerenciamento de peso para pacientes com diabetes tipo 2. No entanto, no caso do diabetes tipo 1, o cenário é mais complexo.

Na Europa, por exemplo, os inibidores de SGLT2 foram removidos do mercado para o tratamento do T1D devido a preocupações com o risco de cetoacidose diabética euglicêmica — uma condição potencialmente grave em que o corpo acumula ácidos cetônicos, mesmo com níveis normais de glicose no sangue. Nos Estados Unidos, a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) não aprovou o uso de inibidores de SGLT2 para o diabetes tipo 1 devido a preocupações semelhantes.

Em relação aos GLP-1RAs, um dos maiores desafios é o risco de perda de peso excessiva em pacientes com T1D, o que pode aumentar o risco de cetoacidose ou hipoglicemia, condições perigosas para quem vive com diabetes tipo 1. Apesar disso, o potencial de manejo de peso e os benefícios cardiorrenais que essas medicações oferecem têm levado à sua prescrição, mesmo sem uma aprovação formal para essa população.

Limitações do Estudo

Como toda pesquisa, este estudo tem suas limitações. Primeiramente, as razões específicas para a prescrição das medicações não estavam documentadas, o que dificulta a compreensão completa dos motivos clínicos por trás dessas decisões. Além disso, as variações na prescrição entre os diferentes sistemas de saúde participantes do banco de dados Epic podem ter introduzido algum viés na análise das tendências. Outra limitação é o potencial de erro no algoritmo usado para identificar pacientes com T1D, o que pode ter levado à inclusão de alguns indivíduos de forma incorreta.

Além disso, como os dados são provenientes de um único banco de dados, eles podem não representar completamente a população dos Estados Unidos. Portanto, é necessário cautela ao generalizar os resultados para outros contextos ou países.

O Futuro das Pesquisas

Embora este estudo forneça insights importantes sobre as tendências de prescrição de GLP-1RAs e inibidores de SGLT2 para pacientes com T1D, ainda há muitas perguntas sem resposta. Estudos prospectivos são necessários para avaliar a eficácia e a segurança dessas medicações especificamente em pacientes com diabetes tipo 1. Até que novas evidências estejam disponíveis, os médicos devem ser cautelosos ao prescrever esses tratamentos, pesando cuidadosamente os potenciais benefícios contra os riscos envolvidos.

Em última análise, a evolução do tratamento do diabetes tipo 1 continuará a ser um campo de intensa pesquisa e debate, à medida que os cientistas buscam melhores maneiras de melhorar a qualidade de vida e a saúde geral dos pacientes que vivem com essa condição complexa.