Novo Modelo AHA Pode Reduzir o Uso de Estatinas e Anti-hipertensivos: O Que Isso Significa Para a Saúde Pública?
Com a nova equação PREVENT da AHA, milhões de americanos podem deixar de ser elegíveis para estatinas e medicamentos anti-hipertensivos. Descubra as implicações para a saúde pública.
FARMACOLOGIACARDIOLOGIA
Fábio H. M. Micheloto
10/26/20245 min read


Novo Modelo da AHA Pode Diminuir o Uso de Estatinas e Anti-hipertensivos: Riscos ou Benefícios?
Nos últimos anos, as recomendações sobre o tratamento preventivo de doenças cardiovasculares evoluíram consideravelmente. A American Heart Association (AHA) e o American College of Cardiology (ACC) têm incentivado o uso das "equações de coorte agrupada" (PCEs, na sigla em inglês) para estimar o risco de doenças cardiovasculares ateroscleróticas (DCVA) ao longo de 10 anos. No entanto, recentemente, um grupo da AHA desenvolveu uma nova abordagem chamada PREVENT (Predicting Risk of Cardiovascular Events), que promete melhorar a previsão desse risco.
Essa mudança pode ter um impacto significativo, principalmente ao alterar quem será considerado elegível para terapias preventivas, como estatinas e medicamentos anti-hipertensivos. Para entender melhor essas mudanças, um estudo avaliou as implicações da aplicação do modelo PREVENT, revelando que milhões de americanos podem ser afetados pela nova forma de calcular o risco cardiovascular.
O Estudo: Impacto do Modelo PREVENT na População dos EUA
Para analisar os efeitos do novo modelo PREVENT, pesquisadores conduziram um estudo com base em uma amostra representativa de 7765 adultos dos Estados Unidos, com idades entre 30 e 79 anos, que participaram de pesquisas nacionais de saúde e nutrição entre 2011 e 2020. O objetivo principal foi determinar como a nova equação alteraria a elegibilidade para tratamentos preventivos com estatinas e anti-hipertensivos.
Os dados analisados revelaram uma mudança significativa nas categorias de risco atribuídas a esses indivíduos. Aproximadamente 53% da população estudada foi reclassificada para uma categoria de risco mais baixa com a nova equação PREVENT, enquanto apenas 0,41% foi classificada em uma categoria de risco mais alta.
O Que Isso Significa na Prática?
A aplicação da equação PREVENT nas diretrizes atuais da AHA e ACC resultaria em uma redução significativa no número de pessoas elegíveis para receber tratamentos preventivos. Segundo as estimativas, 14,3 milhões de americanos deixariam de ser considerados para o uso de estatinas, enquanto 2,62 milhões perderiam a elegibilidade para medicamentos anti-hipertensivos. Embora isso possa parecer um alívio para alguns, as implicações a longo prazo precisam ser cuidadosamente avaliadas.
De acordo com os pesquisadores, essa mudança na elegibilidade para tratamento poderia levar a um aumento no número de eventos cardiovasculares ao longo dos próximos 10 anos. O estudo estimou que, com a aplicação do modelo PREVENT, poderia haver 107.000 ocorrências adicionais de infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC) nesse período.
Estatinas e Anti-hipertensivos: A Base da Prevenção Cardiovascular
As estatinas são medicamentos amplamente utilizados para reduzir os níveis de colesterol no sangue, enquanto os anti-hipertensivos controlam a pressão arterial. Ambos são fundamentais na prevenção de doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, especialmente em pessoas com fatores de risco elevados, como histórico familiar, pressão alta e colesterol elevado. No entanto, o tratamento preventivo com esses medicamentos é baseado em estimativas de risco a longo prazo, o que explica a importância de modelos preditivos como o PREVENT.
Desde 2013, a equação de coorte agrupada tem sido o padrão para calcular o risco de DCVA. Esse modelo leva em consideração fatores como idade, colesterol, pressão arterial e tabagismo. A principal crítica ao PCE, entretanto, é que ele pode superestimar o risco de DCVA em algumas populações, levando a tratamentos excessivos.
O Modelo PREVENT: O Que Há de Novo?
O modelo PREVENT surge como uma tentativa de melhorar a precisão na previsão do risco cardiovascular. A nova equação incorpora medidas de função renal, um fator importante no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, e exclui a variável "raça", o que foi uma mudança significativa em relação ao modelo anterior. O PREVENT também foi calibrado para refletir melhor as populações contemporâneas dos EUA, utilizando dados mais recentes.
O ponto principal é que o PREVENT tende a gerar previsões de risco mais baixas do que as fornecidas pelo PCE. Isso significa que, ao aplicar o novo modelo, muitos indivíduos que antes eram considerados em risco elevado de DCVA podem agora ser reclassificados em categorias de risco mais baixas, o que afeta diretamente sua elegibilidade para terapias preventivas.
As Implicações para a Saúde Pública
A mudança para o modelo PREVENT poderia ter um impacto considerável na saúde pública. Por um lado, a reclassificação de milhões de americanos em categorias de menor risco pode significar menos pessoas tomando medicamentos preventivos, o que pode reduzir os custos associados a esses tratamentos e evitar efeitos colaterais desnecessários. Isso é especialmente relevante em casos onde o risco real de eventos cardiovasculares é baixo e o tratamento preventivo pode não trazer tantos benefícios.
No entanto, a redução no uso de estatinas e anti-hipertensivos também levanta preocupações. Com menos pessoas recebendo esses tratamentos, pode haver um aumento no número de infartos e AVCs, que são eventos potencialmente fatais e geram altos custos para o sistema de saúde. A estimativa de 107.000 eventos cardiovasculares adicionais ao longo de uma década não é algo que possa ser ignorado.
Além disso, o impacto dessas mudanças pode não ser igual para todos os grupos. O estudo indicou que homens seriam mais afetados pela redução na elegibilidade do que mulheres, e que a proporção de adultos negros impactados seria maior do que a de adultos brancos. Isso sugere que as implicações do novo modelo não são uniformes, exigindo uma análise cuidadosa sobre como essas mudanças podem afetar grupos específicos da população.
O Que os Médicos Devem Fazer?
Para os profissionais de saúde, a transição para o modelo PREVENT exige uma abordagem cuidadosa e individualizada. Embora o novo modelo possa reduzir o número de pacientes elegíveis para estatinas e anti-hipertensivos, os médicos devem avaliar os riscos e benefícios de interromper ou não o tratamento preventivo em pacientes que foram reclassificados para uma categoria de risco mais baixa.
Isso pode ser especialmente importante em pacientes com outros fatores de risco ou condições de saúde que possam não estar totalmente capturados pelo modelo PREVENT. Nesses casos, uma decisão informada, baseada em uma análise mais profunda do quadro clínico do paciente, pode ser necessária.
Conclusão: Um Futuro Incerto para a Prevenção Cardiovascular
A introdução da equação PREVENT marca uma nova fase na maneira como o risco de doenças cardiovasculares é avaliado. Enquanto o novo modelo promete reduzir o número de pessoas tomando medicamentos preventivos, ele também traz à tona preocupações sobre um possível aumento nos eventos cardiovasculares. A responsabilidade agora está nas mãos dos médicos e profissionais de saúde, que devem equilibrar os benefícios potenciais de uma abordagem menos agressiva com os riscos associados à redução da elegibilidade para tratamentos preventivos.
Para a população em geral, a adoção do PREVENT representa uma oportunidade de reavaliar o tratamento preventivo e garantir que ele seja oferecido de forma mais precisa e personalizada, mas sem comprometer a saúde pública.