Poderia uma Pílula de Três Medicamentos em Baixa Dose Ser a Solução para a Hipertensão?

Com as altas taxas de hipertensão e poucos avanços no controle da condição na África Subsaariana, uma nova abordagem com uma combinação de três medicamentos em baixas doses oferece esperanças. Entenda como essa estratégia inovadora pode revolucionar o tratamento da hipertensão na região, segundo um estudo recente.

FARMACOLOGIACARDIOLOGIA

Fábio H. M. Micheloto

11/8/20245 min read

A Hipertensão e o Desafio de Controle na África Subsaariana

A hipertensão, definida pela elevação da pressão arterial para valores iguais ou superiores a 140/90 mmHg, é um dos principais fatores de risco evitáveis para doenças cardiovasculares e mortalidade geral em todo o mundo. De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 1,3 bilhão de adultos entre 30 e 79 anos vivem com hipertensão, sendo que apenas 1 em cada 5 possui a pressão arterial controlada. Esse cenário é ainda mais grave na África Subsaariana, onde a prevalência da condição é a mais alta do mundo, com uma média de 27%. Dados recentes indicam que menos de 13% das mulheres e apenas 9% dos homens na região têm a hipertensão sob controle.

Estudos de larga escala realizados entre 1990 e 2019 sugerem que, em muitos países da África Subsaariana, pouco progresso foi feito em termos de tratamento e controle da hipertensão. Por exemplo, uma análise de dados de mais de 100 mil participantes revelou que a taxa de controle da hipertensão em homens é de apenas 7%. Em um estudo mais recente, envolvendo comunidades da África Oriental e Ocidental, foi constatado que apenas 13% das pessoas que conheciam seu diagnóstico de hipertensão mantinham a pressão controlada. Tais números reforçam a necessidade de abordagens eficazes, seguras e acessíveis para o tratamento e controle da hipertensão na região.

O Estudo do Protocolo de Três Medicamentos em Baixa Dose

Para abordar essa questão, uma pesquisa inovadora foi realizada para testar uma nova estratégia de controle da hipertensão em adultos africanos. O estudo teve como objetivo comparar a eficácia e a segurança de um protocolo composto por três medicamentos em doses reduzidas com o tratamento padrão para controle da pressão arterial. A pesquisa foi realizada em clínicas de medicina familiar baseadas em hospitais públicos na Nigéria e contou com a participação de 300 adultos negros africanos que apresentavam hipertensão não controlada.

A nova abordagem envolveu a combinação dos medicamentos telmisartana, amlodipina e indapamida em doses reduzidas. A ideia é que, mesmo em baixas doses, a ação conjunta desses fármacos seja suficiente para reduzir a pressão arterial de forma significativa. Além disso, essa combinação poderia minimizar os efeitos colaterais comuns a muitos medicamentos para hipertensão, tornando o tratamento mais tolerável e seguro para os pacientes.

Como o Protocolo foi Implementado

Os participantes foram divididos em dois grupos. Um grupo recebeu o tratamento padrão, com início na administração de 5 mg de amlodipina, um dos medicamentos mais comuns no tratamento de hipertensão. O outro grupo seguiu o novo protocolo, recebendo a combinação de telmisartana, amlodipina e indapamida, em doses de um quarto, metade e padrão (10/1,25/0,625 mg, 20/2,5/1,25 mg e 40/5/2,5 mg), com aumentos graduais conforme a necessidade.

O acompanhamento durou seis meses, e, durante esse período, os participantes do grupo de três medicamentos apresentaram uma redução média de 31 mmHg na pressão sistólica medida em casa, em comparação com uma redução de 26 mmHg no grupo de tratamento padrão. Além disso, os resultados do estudo indicaram que 82% dos pacientes do grupo de três medicamentos alcançaram controle da pressão arterial na clínica (<140/90 mmHg), enquanto apenas 72% do grupo de tratamento padrão atingiram esse nível. No monitoramento doméstico, 62% dos pacientes do grupo de três medicamentos conseguiram controlar a pressão (<130/80 mmHg), em comparação com apenas 28% dos pacientes que seguiram o protocolo padrão.

Esses resultados são considerados altamente promissores, especialmente quando se considera que nenhum dos participantes descontinuou o tratamento devido a efeitos adversos, demonstrando que o protocolo é bem tolerado.

Implicações para o Tratamento da Hipertensão na África Subsaariana

Os dados mostram que a combinação de três medicamentos em doses baixas pode oferecer uma estratégia eficaz para combater a hipertensão na África Subsaariana, onde as taxas de controle da pressão arterial são historicamente baixas. Isso é particularmente importante, pois as barreiras ao acesso a medicamentos e aos serviços de saúde dificultam o acompanhamento adequado dos pacientes hipertensos. A nova abordagem tem potencial para ser implementada em grande escala, contribuindo para melhorar o cenário de saúde pública na região.

Além disso, o uso de doses baixas de múltiplos medicamentos reduz o risco de efeitos colaterais que, muitas vezes, levam à interrupção do tratamento. Em regiões onde os recursos médicos são limitados, minimizar os efeitos adversos é fundamental para garantir que os pacientes mantenham a adesão ao tratamento a longo prazo.

Perspectivas Futuras e Desafios

Ainda que os resultados do estudo sejam animadores, os pesquisadores reconhecem que mais investigações são necessárias para validar o protocolo em diferentes contextos e populações. Por exemplo, será importante analisar como o protocolo de três medicamentos em baixas doses se comporta em pacientes com comorbidades ou em populações de outras regiões do continente africano. Outro aspecto que merece atenção é a possível variação de eficácia do protocolo entre homens e mulheres, assim como entre diferentes faixas etárias.

Os especialistas também destacam a importância de estudar o impacto econômico da implementação desse protocolo. A acessibilidade financeira é um fator crucial para o sucesso de qualquer estratégia de saúde pública, especialmente em regiões de baixa renda. Programas de saúde pública podem se beneficiar dessa abordagem, desde que seja viável distribuir os medicamentos de forma a atender à demanda crescente por tratamentos para hipertensão.

A Importância de Estudos Locais e Colaboração Internacional

O protocolo de três medicamentos em doses reduzidas representa uma colaboração importante entre cientistas africanos e de outras partes do mundo. A realização do estudo em clínicas de hospitais públicos na Nigéria demonstra o valor dos estudos locais, que são essenciais para desenvolver tratamentos eficazes e culturalmente adaptados. Além disso, parcerias internacionais são fundamentais para viabilizar a expansão do acesso a tratamentos eficazes na África Subsaariana, onde as disparidades no controle da hipertensão são alarmantes.

Conclusão

O estudo sobre o uso de uma combinação de três medicamentos em doses baixas traz uma nova perspectiva para o tratamento da hipertensão na África Subsaariana. Com resultados promissores, essa abordagem pode transformar o tratamento da hipertensão em uma região que enfrenta grandes desafios de saúde pública. No entanto, a implementação em larga escala e a adaptação para diferentes realidades locais exigirão esforços conjuntos entre governos, organizações internacionais e profissionais de saúde.

Com um protocolo de tratamento eficaz e seguro, há uma nova esperança para milhões de africanos que convivem com a hipertensão, contribuindo para um futuro com mais saúde e bem-esta

FONTE: https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2823292?guestAccessKey=30679d2f-27ec-422c-9489-97169a69ef41&utm_source=silverchair&utm_medium=email&utm_campaign=article_alert-jama&utm_content=etoc&utm_term=100124&utm_adv=