Será que o Fármaco Dapagliflozina é a Solução para Pacientes Críticos com Disfunção Aguda de Órgãos? Novo Estudo Revela Resultados Surpreendentes
Uma análise detalhada do ensaio clínico DEFENDER, que investigou o uso de dapagliflozina em pacientes críticos com disfunção orgânica aguda. Apesar de sua eficácia comprovada em outras condições, os resultados sugerem que a adição desse medicamento ao tratamento padrão não trouxe benefícios significativos.
ENDOCRINOLOGIAFARMACOLOGIA
Fábio H. M. Micheloto
10/28/20243 min read


Dapagliflozina: Uma Nova Esperança para Pacientes Críticos em Estado Agudo?
A dapagliflozina, um inibidor do cotransportador sódio-glicose 2 (SGLT-2), ganhou notoriedade por seus efeitos benéficos em pacientes com diabetes tipo 2, insuficiência cardíaca e doença renal crônica. No entanto, sua eficácia em pacientes críticos com disfunção orgânica aguda ainda era uma incógnita. O ensaio clínico DEFENDER, um estudo multicêntrico realizado em 22 unidades de terapia intensiva (UTIs) no Brasil, buscou esclarecer essa questão, avaliando se a adição da dapagliflozina ao tratamento padrão poderia melhorar os resultados clínicos nesse grupo vulnerável.
Contexto e Importância
A disfunção orgânica aguda representa um dos maiores desafios nas UTIs, onde os pacientes frequentemente apresentam múltiplas falências de órgãos. A mortalidade associada a essas condições é elevada, e os tratamentos disponíveis ainda são limitados. As terapias tradicionais muitas vezes não são suficientes para melhorar os desfechos, levando à busca por novas intervenções. Nesse cenário, a dapagliflozina surgiu como uma potencial alternativa, prometendo melhorias significativas em parâmetros críticos.
Objetivo do Estudo
O objetivo do estudo DEFENDER foi avaliar se a inclusão de dapagliflozina, em uma dose de 10 mg, poderia impactar positivamente a mortalidade hospitalar, a iniciação de terapia de substituição renal e a duração da internação na UTI. Para isso, 507 participantes foram randomizados para receber dapagliflozina junto com o tratamento padrão ou apenas o tratamento padrão por um período de até 14 dias.
Metodologia do Estudo
Os participantes do estudo eram adultos com pelo menos uma disfunção orgânica – respiratória, cardiovascular ou renal – e foram admitidos na UTI sem planejamento prévio. O estudo foi conduzido entre novembro de 2022 e agosto de 2023, com acompanhamento até setembro de 2023. A randomização levou em conta a alocação em dois grupos: um grupo recebeu dapagliflozina, enquanto o outro recebeu apenas o tratamento padrão.
A metodologia envolveu o uso da "win ratio", uma abordagem que avalia o resultado hierárquico composto por mortalidade hospitalar, início de terapia de substituição renal e tempo de permanência na UTI em até 28 dias. A análise estatística buscou não apenas medir os desfechos primários, mas também avaliar os componentes individuais e a duração da necessidade de suporte orgânico.
Resultados do Estudo
Os resultados não foram tão promissores quanto se esperava. O estudo mostrou que a adição de dapagliflozina ao tratamento padrão não teve um impacto significativo nos desfechos principais. A razão de vitória para dapagliflozina foi de 1,01, com um intervalo de confiança de 95% variando entre 0,90 e 1,13, o que não indicou benefícios estatisticamente relevantes.
Entre os resultados secundários, a utilização de terapia de substituição renal foi observada em 10,9% dos pacientes no grupo da dapagliflozina, em comparação com 15,1% no grupo controle. Embora essa diferença indique um leve benefício potencial, o número de pacientes afetados foi pequeno e não conclusivo.
Discussão e Implicações
Os achados do ensaio DEFENDER levantam questões importantes sobre o uso de dapagliflozina em cenários críticos. A falta de melhorias significativas nos desfechos clínicos sugere que, apesar do potencial teórico do medicamento, sua aplicação prática em pacientes com disfunção orgânica aguda pode ser limitada.
Um dos pontos discutidos pelos pesquisadores é que a complexidade dos cuidados em UTI e as múltiplas comorbidades desses pacientes podem ter influenciado os resultados. Além disso, os intervalos de confiança amplos não permitem descartar a possibilidade de benefícios ou danos relevantes associados ao uso da dapagliflozina. Assim, os pesquisadores ressaltam a necessidade de mais estudos para explorar o efeito do medicamento em subgrupos específicos de pacientes críticos.
Conclusão
O ensaio DEFENDER, apesar de não ter encontrado benefícios claros da dapagliflozina em pacientes críticos com disfunção orgânica aguda, contribui para o corpo crescente de evidências sobre o uso de inibidores do SGLT-2. A pesquisa em cuidados críticos é essencial, pois pacientes com disfunções agudas apresentam riscos elevados e necessitam de intervenções eficazes.
A busca por tratamentos inovadores e eficazes deve continuar, e a dapagliflozina, embora não tenha se mostrado útil neste contexto, pode abrir portas para outras investigações sobre terapias que visam melhorar os resultados em UTIs. Os médicos e pesquisadores devem se manter atentos às evoluções na pesquisa clínica, buscando sempre a melhor abordagem para atender às necessidades dos pacientes em estado crítico.
A jornada da dapagliflozina em pacientes críticos pode não ter alcançado o sucesso esperado, mas a ciência avança, e cada estudo traz consigo a possibilidade de descobertas que podem, um dia, transformar a abordagem dos cuidados intensivos.