Sintético, Mas Perigoso: O Crescimento do Uso de Nicotina Sintética nas Redes Sociais e os Riscos Para Jovens.
Saiba como a nicotina sintética, amplamente divulgada em redes sociais como o Instagram, está escapando das regulamentações e atraindo jovens com sabores proibidos. Entenda os riscos à saúde e as ações da FDA.
TOXICOLOGIA
Fábio H. M. Micheloto
10/18/20244 min read


Sintético, Mas Perigoso: O Crescimento do Uso de Nicotina Sintética nas Redes Sociais e os Riscos Para Jovens
Com o avanço da tecnologia e a popularização de novos produtos para fumar, os cigarros eletrônicos se tornaram comuns, especialmente entre os jovens. Nos últimos anos, uma nova variante desse produto começou a ganhar espaço: o cigarro eletrônico contendo nicotina sintética. Embora sua composição não seja derivada do tabaco, os riscos que oferece à saúde são semelhantes e igualmente preocupantes. Recentemente, um estudo revelou que os avisos de saúde exigidos pela Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) para esses produtos estão sendo amplamente ignorados pelos vendedores nas redes sociais, como o Instagram. Isso coloca em risco uma geração que já está exposta a campanhas agressivas e atraentes de marketing.
A origem da lacuna regulatória
A nicotina sintética, diferentemente da nicotina derivada do tabaco, é criada em laboratório. Isso, por algum tempo, permitiu que os fabricantes de produtos de vaping contornassem as regulamentações mais rígidas impostas pela FDA aos produtos de tabaco. De acordo com a professora Traci Hong, da Universidade de Boston, esse foi um verdadeiro "furo" nas leis até abril de 2022, quando a agência finalmente estendeu sua autoridade sobre a nicotina sintética.
“Devido ao fato de a nicotina sintética não ser derivada do tabaco, ela conseguiu escapar da autoridade reguladora da FDA até abril de 2022,” explicou Hong. “Essa brecha regulatória permitiu que os fabricantes inundassem o mercado com produtos de nicotina sintética em sabores que antes eram proibidos em produtos tradicionais de tabaco devido à sua atração para os jovens."
A estratégia de marketing dos fabricantes
Uma das táticas mais alarmantes identificadas pelos pesquisadores é a forma como esses produtos são anunciados. O estudo, liderado por Jiaxi Wu, pós-doutorando da Universidade da Pensilvânia, e publicado na JAMA Network Open, analisou mais de 2.000 postagens de anúncios de marcas de cigarro eletrônico com nicotina sintética no Instagram. A conclusão é que a grande maioria desses anúncios não cumpre as exigências da FDA em relação aos avisos de saúde.
Embora a FDA tenha ordenado que todos os anúncios desses produtos incluam uma advertência de saúde visível, ocupando pelo menos 20% do espaço e aparecendo na parte superior do anúncio, apenas 13% das postagens analisadas seguiram essas diretrizes.
A pesquisa destacou, por exemplo, que as postagens com avisos de saúde posicionados na parte superior das imagens recebiam mais curtidas do que aquelas com os avisos na parte inferior, sugerindo que a conscientização e a visibilidade dos riscos não afastam necessariamente os consumidores, mas são fundamentais para uma escolha informada. No entanto, a indústria ainda opta por não seguir as recomendações.
Atraindo jovens com sabores proibidos
Uma das maiores preocupações levantadas pelo estudo é a maneira como esses produtos são apresentados para o público jovem. Apesar das restrições anteriores sobre o uso de sabores atraentes, como algodão-doce e chiclete, nas versões tradicionais de tabaco e em cigarros eletrônicos à base de cartuchos, os fabricantes de produtos com nicotina sintética têm conseguido comercializar esses sabores novamente. Isso representa um problema sério, já que sabores doces e de frutas são conhecidos por atrair adolescentes e jovens adultos.
Além disso, os anúncios geralmente exibem imagens visualmente atrativas de frutas e sobremesas, criando uma associação entre o prazer alimentar e o uso de produtos de nicotina. Essa estratégia é um retorno a uma antiga tática usada pela indústria do tabaco para atrair novos usuários.
Os perigos da nicotina sintética
Embora ainda se saiba pouco sobre os efeitos a longo prazo da nicotina sintética no corpo humano, os especialistas acreditam que ela apresenta os mesmos riscos que a nicotina derivada do tabaco. A nicotina, em qualquer uma de suas formas, é altamente viciante e pode ser especialmente prejudicial para o desenvolvimento do cérebro em adolescentes e jovens adultos. Além disso, ela pode afetar negativamente a saúde psicossocial, impactando o bem-estar mental e emocional dos jovens.
O uso precoce de nicotina pode levar a uma série de consequências graves, incluindo dificuldade de aprendizado, problemas de atenção e um risco maior de desenvolver outros vícios. Dessa forma, garantir que os jovens estejam cientes desses riscos é fundamental.
O papel da FDA na regulação da nicotina sintética
Em resposta ao crescente uso e marketing de produtos com nicotina sintética, a FDA tomou medidas para regulamentar essa indústria em abril de 2022. Isso incluiu a imposição de regras que obrigam as empresas a inserir avisos de saúde visíveis e informativos em suas propagandas. De acordo com a agência, os anúncios devem exibir a advertência em 20% do espaço publicitário e garantir que ela apareça na parte superior da imagem.
No entanto, como demonstrado pelo estudo, a aplicação dessas regras ainda é falha. Apesar de as empresas estarem cientes das regulamentações, a falta de conformidade com as diretrizes mostra que é necessário um esforço maior para garantir que essas advertências sejam seguidas.
O cenário no Brasil
No Brasil, a venda de cigarros eletrônicos, incluindo os que contêm nicotina sintética, é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009. No entanto, o uso desses dispositivos tem crescido, muitas vezes impulsionado por vendas ilegais e importações não regulamentadas. A Anvisa continua monitorando o mercado, mas a presença de produtos não autorizados ainda é uma preocupação.
Assim como nos Estados Unidos, o uso de sabores atraentes para jovens e a publicidade em plataformas digitais são desafios que exigem ações contínuas de regulamentação e fiscalização. A Anvisa também estuda novas regulamentações para acompanhar o avanço tecnológico e os novos produtos que estão surgindo no mercado.
Conclusão
Embora a nicotina sintética tenha surgido como uma alternativa “tobacco-free” em um primeiro momento, os riscos que ela oferece à saúde, especialmente para os jovens, não devem ser subestimados. A ausência de regulamentação inicial permitiu que o mercado crescesse, mas, com as novas regras da FDA e a conscientização sobre os perigos dessa substância, é possível que vejamos uma mudança no cenário nos próximos anos.
No entanto, como o estudo mostra, o caminho para uma publicidade mais responsável ainda é longo, e as autoridades regulatórias precisam reforçar a fiscalização para garantir que os jovens estejam protegidos dos efeitos nocivos de produtos de nicotina, sejam eles derivados do tabaco ou sintetizados em laboratório.
https://www.drugs.com/news/vendors-synthetic-nicotine-vapes-instagram-skirting-fda-rules-121760.html