Trichophyton indotineae: O Fungo Resistente à Terbinafina Que Está Desafiando os Tratamentos Antifúngicos
Descubra como o Trichophyton indotineae, um fungo resistente à terbinafina, está causando surtos globais de micose. Saiba mais sobre os desafios do tratamento, a disseminação da resistência antifúngica e o impacto na saúde pública. Entenda as medidas de prevenção e o papel dos antifúngicos alternativos.
Fábio H. M. Micheloto
9/24/20245 min read


O fungo Trichophyton indotineae emergiu como uma preocupação global devido à sua crescente resistência aos tratamentos antifúngicos convencionais, principalmente à terbinafina, um medicamento amplamente utilizado como primeira linha de defesa contra infecções de pele, como a micose (também conhecida como tinea ou dermatofitose). Esse organismo apresenta características que o tornam difícil de tratar e erradicar, resultando em surtos prolongados e disseminados que afetam diversas partes do corpo, mesmo aquelas que normalmente não são alvo de infecções por dermatófitos.
Tradicionalmente, a micose é uma infecção de pele bastante comum e, na maioria dos casos, de fácil tratamento com medicamentos antifúngicos disponíveis no mercado. A terbinafina, por exemplo, é eficaz na maioria das infecções por dermatófitos, eliminando os sintomas após algumas semanas de uso. No entanto, o surgimento de cepas resistentes desse fungo tem desafiado essa abordagem tradicional de tratamento. Em vários casos, como os relatados em pacientes nos Estados Unidos, Índia e outras regiões do mundo, a infecção persistiu ou retornou mesmo após várias rodadas de tratamento com terbinafina. Esse cenário levanta preocupações sobre a eficácia futura dos antifúngicos convencionais e exige uma atenção mais detalhada das autoridades de saúde pública.
Nos últimos anos, relatos de infecções causadas por T. indotineae aumentaram em diversas regiões, incluindo o sul da Ásia, Europa, Oriente Médio, Canadá e Estados Unidos. Esses relatos indicam que as infecções causadas por esse fungo exibem características atípicas, como lesões que se expandem para partes do corpo onde a micose geralmente não se manifesta, como o rosto, abdômen e até o pescoço. Além disso, as lesões tendem a ser mais persistentes e provocam uma coceira intensa, que pode ser debilitante para os pacientes, afetando o sono e a qualidade de vida de maneira significativa.
Uma das maiores preocupações com relação à disseminação de T. indotineae é sua capacidade de resistir à terbinafina, o que obriga os médicos a recorrerem a antifúngicos de segunda linha, como o itraconazol. Embora o itraconazol seja eficaz em alguns casos, ele não é a primeira escolha por ser menos acessível e por apresentar mais efeitos colaterais do que a terbinafina. Além disso, há uma preocupação crescente de que a resistência possa se estender a outros antifúngicos, limitando ainda mais as opções de tratamento.
O uso inadequado de medicamentos antifúngicos e corticosteroides tópicos parece ser um fator chave na disseminação dessa resistência. Em muitos países, especialmente em áreas rurais ou com acesso limitado a cuidados médicos especializados, é comum que os pacientes tratem infecções de pele por conta própria, usando cremes combinados que contêm antifúngicos e esteroides. Esses cremes, quando utilizados de maneira errática, podem suprimir temporariamente os sintomas, como a coceira, sem erradicar completamente a infecção. Como resultado, as infecções não são curadas adequadamente, permitindo que o fungo desenvolva resistência aos medicamentos.
Estudos realizados na Índia, onde a epidemia de T. indotineae tem sido particularmente prevalente desde a década de 2010, indicam que uma alta porcentagem de isolados fúngicos de pacientes com infecções de pele apresenta algum grau de resistência à terbinafina. Em alguns casos, até 11% dos isolados testados mostraram resistência ao medicamento. Além disso, a resistência tem aumentado ao longo dos anos, levando os médicos a considerar outras opções terapêuticas menos convencionais ou a usar combinações de antifúngicos para tentar controlar as infecções.
O uso generalizado de cremes contendo esteroides também pode aumentar a suscetibilidade dos pacientes a infecções fúngicas, uma vez que esses cremes podem induzir a supressão imunológica localizada. Quando usados para clareamento da pele ou para tratar outras condições, esses cremes podem tornar a pele mais vulnerável a infecções como a micose, facilitando a proliferação de cepas resistentes de fungos.
A disseminação de T. indotineae não se limita a infecções adquiridas em viagens internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, casos de infecções locais resistentes à terbinafina foram documentados, indicando que o fungo está se propagando localmente. Essa propagação aumenta a preocupação de que a resistência aos antifúngicos se torne um problema mais comum em outras partes do mundo, incluindo regiões que, até recentemente, não enfrentavam esse tipo de desafio com dermatófitos.
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos estão acompanhando de perto o avanço dessa infecção resistente e colaborando com laboratórios e profissionais de saúde para monitorar novos casos. Em 2023, um relatório foi publicado detalhando a resistência de T. indotineae em vários pacientes, incluindo os primeiros casos confirmados nos EUA. O CDC também está trabalhando em campanhas educacionais voltadas para dermatologistas e clínicos gerais, para que eles estejam mais preparados para reconhecer e tratar infecções fúngicas resistentes, além de incentivar o uso responsável de medicamentos antifúngicos.
Além disso, o CDC está ampliando sua vigilância para infecções fúngicas resistentes em nível global, colaborando com a Academia Americana de Dermatologia (AAD) e a International League of Dermatological Societies para criar um registro de casos de dermatofitose resistente. Esse registro foi projetado para coletar dados sobre infecções resistentes ao tratamento em várias partes do mundo, ajudando a identificar padrões e desenvolver estratégias de combate à disseminação desses fungos. O objetivo é fornecer informações valiosas para médicos e pesquisadores sobre os fatores de risco e padrões clínicos associados a essas infecções, além de funcionar como um sistema de alerta precoce para surtos.
Embora a micose causada por T. indotineae não seja fatal, sua alta transmissibilidade e resistência ao tratamento podem afetar de forma significativa a vida dos pacientes, que muitas vezes enfrentam meses de tratamento e ainda correm o risco de recidiva. As lesões provocadas pela infecção, além da coceira intensa, podem ser estigmatizantes, levando os pacientes a evitar interações sociais e atividades diárias normais. Esse impacto na qualidade de vida torna a resistência antifúngica um problema de saúde pública que merece atenção urgente.
Em resumo, o surgimento e a disseminação de Trichophyton indotineae representam um desafio crescente para o tratamento de infecções fúngicas de pele. Sua resistência à terbinafina e outros antifúngicos de primeira linha destaca a necessidade de novos tratamentos, bem como de estratégias para prevenir o uso inadequado de medicamentos. A colaboração entre médicos, pesquisadores e autoridades de saúde pública será fundamental para conter a expansão dessa infecção e desenvolver soluções eficazes para o tratamento de dermatofitoses resistentes.