Uso Off-Label de Antipsicóticos em Crianças com TDAH: Riscos e Implicações na Presença de Transtorno de Comportamento Disruptivo (DBD)
O uso de antipsicóticos fora da indicação aprovada (off-label) em crianças e adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) levanta preocupações de segurança. Um estudo recente analisou o risco associado ao uso off-label desses medicamentos em jovens com comorbidades como o Transtorno de Comportamento Disruptivo (DBD). A pesquisa trouxe dados importantes sobre a maior vulnerabilidade desse grupo e reforça a necessidade de maior cautela no tratamento desses pacientes.
Fábio H. M. Micheloto
10/8/20244 min read


Contexto e Propósito do Estudo
O TDAH é um dos distúrbios neuropsiquiátricos mais comuns na infância, afetando milhões de crianças no mundo. Seu tratamento geralmente inclui medicamentos estimulantes e, em alguns casos, outros tipos de medicações, como antipsicóticos, que podem ser usados para controlar sintomas de comportamento disruptivo ou agressivo. No entanto, o uso de antipsicóticos para essa finalidade em crianças com TDAH que não possuem indicações clínicas aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration dos EUA) levanta sérias preocupações.
A prescrição off-label refere-se ao uso de um medicamento fora das indicações aprovadas pelas agências reguladoras, e embora esse tipo de prescrição não seja ilegal, ela exige que os médicos considerem cuidadosamente os riscos e os benefícios. No caso dos antipsicóticos, os riscos incluem efeitos colaterais graves, como ganho de peso, síndrome metabólica, e até mesmo riscos cardiovasculares, que podem ser especialmente preocupantes em crianças em fase de crescimento.
Metodologia do Estudo
O estudo, conduzido utilizando dados do IQVIA PharMetrics Plus for Academics entre 2007 e 2020, avaliou uma coorte de 41.098 jovens entre 5 e 15 anos que foram diagnosticados com TDAH. Para a inclusão no estudo, os participantes deviam atender a pelo menos um dos seguintes critérios: (1) uma visita de internação relacionada ao TDAH, (2) duas visitas ambulatoriais relacionadas ao TDAH dentro de 90 dias, ou (3) uma receita de medicação para TDAH preenchida dentro de 30 dias de uma visita ambulatorial.
Os participantes que já possuíam um diagnóstico de Transtorno de Comportamento Disruptivo (DBD) ou uma indicação aprovada pela FDA para o uso de antipsicóticos foram excluídos no início do estudo. Ao longo do período de acompanhamento, os jovens foram observados até o início do uso de antipsicóticos ou até que tivessem seu acompanhamento interrompido por perda de cobertura ou por desenvolvimento de uma condição que justificasse o uso de antipsicóticos.
A principal variável analisada foi o desenvolvimento de DBD, que foi utilizado como covariável ao longo do tempo para estimar a probabilidade do início do uso de antipsicóticos.
Principais Achados
Entre os 41.098 jovens com TDAH incluídos no estudo, 4.557 foram diagnosticados com DBD durante o período de acompanhamento. A taxa de início de uso de antipsicóticos foi de 19,6 por 1.000 pessoas-ano. Após ajustes para variáveis de base, o estudo constatou que o risco de uso de antipsicóticos foi 4,64 vezes maior entre aqueles que desenvolveram DBD em comparação com aqueles que não desenvolveram a condição.
Esse aumento substancial no risco destaca que o uso off-label de antipsicóticos entre jovens com TDAH está fortemente associado à presença de problemas de comportamento disruptivo, como agressividade ou desobediência grave. Em muitos casos, essas crianças também apresentam comorbidades psiquiátricas, como transtornos de humor ou depressão, tornando-as mais vulneráveis a intervenções com medicamentos antipsicóticos.
Implicações para o Tratamento
Os resultados do estudo trazem à tona importantes implicações clínicas para o tratamento de crianças e adolescentes com TDAH. Embora o uso de antipsicóticos possa ser considerado em casos graves de comportamento disruptivo, a alta taxa de uso off-label levanta questões sobre a segurança e a eficácia desses medicamentos em uma população jovem e vulnerável.
O fato de que crianças mais jovens e predominantemente do sexo masculino são as mais propensas a iniciar o uso de antipsicóticos off-label ressalta a importância de um monitoramento rigoroso desses pacientes. A exposição a antipsicóticos em uma fase tão precoce da vida pode ter consequências de longo prazo para o desenvolvimento físico e mental.
Além disso, como o estudo não encontrou uma justificativa aprovada pela FDA para o uso de antipsicóticos na maioria dos casos, isso sugere que os médicos podem estar recorrendo a essas medicações como um último recurso para lidar com comportamentos que podem ser melhor gerenciados com intervenções psicossociais ou outros tipos de terapias não medicamentosas.
Desafios no Uso Off-Label
Embora o uso off-label de medicamentos seja uma prática comum na pediatria, ele exige uma análise cuidadosa de riscos e benefícios, especialmente quando se trata de antipsicóticos. Esses medicamentos podem causar uma série de efeitos adversos, incluindo ganho de peso significativo, alterações no metabolismo da glicose, aumento do risco de diabetes tipo 2 e efeitos cardiovasculares, como hipertensão e arritmias. Esses riscos são particularmente preocupantes em crianças, que ainda estão em fase de desenvolvimento.
O estudo também chama a atenção para a falta de pesquisas robustas sobre o uso de antipsicóticos em crianças, especialmente em contextos off-label. Isso reforça a necessidade de mais estudos que avaliem a segurança e a eficácia de tais tratamentos em populações pediátricas, para garantir que os benefícios superem os riscos.
Conclusão
O estudo oferece insights importantes sobre o uso off-label de antipsicóticos em jovens com TDAH e comorbidades como DBD. Ele mostra que crianças diagnosticadas com DBD têm quase cinco vezes mais chances de iniciar o uso de antipsicóticos, sugerindo que esses medicamentos estão sendo usados para controlar comportamentos desafiadores que podem estar além dos sintomas clássicos do TDAH.
Esses achados reforçam a necessidade de cautela no uso de antipsicóticos em crianças, especialmente quando o uso é fora das indicações aprovadas. Intervenções não farmacológicas, como terapias comportamentais e programas de treinamento parental, devem ser consideradas como primeira linha de tratamento para problemas comportamentais em crianças com TDAH, reservando o uso de antipsicóticos para casos onde outras abordagens tenham falhado.
O estudo também destaca a necessidade de mais pesquisas para avaliar o impacto a longo prazo do uso de antipsicóticos em crianças, bem como o desenvolvimento de diretrizes clínicas mais específicas para o tratamento de jovens com TDAH e DBD. A segurança e o bem-estar das crianças devem ser sempre prioridade no planejamento terapêutico, e o uso de antipsicóticos deve ser cuidadosamente avaliado com base em evidências científicas robustas.
Fonte: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0149291822002429